CHEGUE NA PAZ

21 de set. de 2015


Havia passado um bom tempo, meses sem um contato com o Xamã amigo, ele sempre foi assim "livre", desaparece logo após alguma grande experiência, sem deixar vestígio e quando menos se espera, eis que ele surge e com ele, um novo convite para uma nova experiência xamânica...

Desta vez fui ter com ele e um grupo de amigos buscadores, um encontro com uma tribo indígena que vive aos arredores de São Paulo. A proposta era chamada "encontro xamânico urbano"...

Após sair da grande São Paulo rumo ao interior Paulista, após andar alguns kilômetros por aquela estrada de terra, seguindo cuidadosamente àquele mapa simples, já escurecendo, era um final de dia típico de inverno, escurecendo rapidamente, trazendo com a noite também o frio, quando finalmente, enxergamos luzes, do que aparentemente parecia ser um vilarejo simples, mas longe de se parecer com "ocas" de uma tribo indígena primitiva, era construções de alvenaria rústicas, com portas e janelas, todas dispostas uma ao lado da outra, formando um grande semi-círculo, com um pátio grande de chão batido à frente ligando todas as casas. Ao descermos dos carros, fomos logo recepcionados por um índio vestido com roupas normais, falando um português impecável, ele aparentemente seria o nosso contato e provavelmente conduziria nossa experiência xamânica naquela tribo...

O que os índios não sabiam, é que entre nós existia um experiente Xamã, com treinamento em tribos xamânicas peruanas, bolivianas, mexicanas e norte americanas...

Ele estrategicamente se apresentou apenas pelo nome, sem falar do seu vasto curriculum como Xamã...

O índio, após se apresentar ao grupo pelo seu nome, explicou que a proposta da experiência seria nos reunirmos em volta de uma fogueira pronta para ser acesa no centro do pátio, onde tocando alguns instrumentos da tribo, entoaríamos alguns cantos sagrados indígenas em homenagem ao fogo, à terra, água, ar e as almas minerais, vegetais e animais...

E assim sentamos todos em volta da fogueira e com cada um escolhendo um tipo de instrumento disponibilizado pela tribo, tipo: tambores, flautas, chocalhos; começamos a tocar e repetir os cantos simples com nomes indígenas que significavam os 4 elementos, um por um sem pressa foram sendo entoados só ritmo dos tambores e instrumentos...

Confesso que aquilo funcionava como um mantra sendo repetido inúmeras vezes, gerando um clima tribal, com exaltação espontânea dos cantos e gestos, fazendo aos poucos que as pessoas se levantassem e começassem a dançar, puxados pelos índios que ensinavam danças tribais invocatórias, ligadas aos atributos que estávamos trabalhando, com batidas ritmadas dos pés no chão, com leve inclinação do corpo para frente ... Isso foi conduzindo todos a um estado alterado de consciência que coincidentemente percebíamos respostas sincronizadas do fogo, com aumento da chama e calor...

Estávamos literalmente "pegando fogo"!!!...

As músicas iam variando de temas (atributos, elementos e almas), de ritmos e danças, era como acessássemos vidas passadas, nossos ancestrais e chegássemos na tribo que realmente pertencíamos...

Em determinado momento, após o ciclo de todas as invocações serem concluídas, o nosso Xamã amigo, puxou-me para fora da roda e falou ao pé de meu ouvido:
 - "Me siga"
Após adentrar num pequeno bosque o Xamã falou:
 - "Sem perder a sintonia que adquirimos na roda da fogueira, quero que você feche os olhos e sinta os quatro elementos presentes aqui através do seus sentidos, sinta com seus pés à terra e permita que nasça raízes suas para dentro da terra, capte e receba a energia de tranquilidade e serenidade que vem da terra, como ondas entrando pela suas raízes (pés) subindo e preenchendo todo o seu corpo de paz e tranquilidade, até chegar na cabeça estabelecendo uma conexão completa com a alma Mineral do local, depois abra os olhos, escolha uma árvore que te atrai e siga em sua direção, até encostar suas mãos em seu tronco, sinta sua vitalidade, presente em toda ela, "tronco, galhos e folhas" perceba como elas concorrem entre si por novos espaços, por crescimento, por novos domínios... Absorva essa vitalidade, incorporando em você a alma vegetal...

- "Agora utilizando de sua audição e olfato, sinta os sons e cheiro do local, identificando principalmente odores de outros animais e caia como um cão farejador seguindo os odores e sons buscando um contato com a alma animal local, confie e não se assuste com o animal que se apresentar a você, seja qual for, seguindo plenamente as orientações do Xamã, fui seguindo odores, sons e meus instintos e me deparei com um enorme cachorro, parei um pouco assustado confesso, mas não recuei em segundos o cão estava me cheirando, estabelecendo contato, foi quando ouvi de novo os comandos do Xamã dizendo:
 - "perceba a curiosidade, o medo e também o tênue limite entre o medo e a força selvagem de um animal, que a qualquer momento pode fazer uso dessa força para atacar e defender territórios em disputa... e com o registro dessas emoções, incorpore a alma animal...

E por fim, se recordando da paz mineral, da vitalidade vegetal e da curiosidade animal, invoque sua alma humana, como um "Totem" construído um por sobre o outro, vá construindo a alma humana com emoção de pertencer a este lugar, a essa história, a essa gente, encontrando sua linhagem tribal, como que agora um portal fosse aberto trazendo ao seu encontro toda a sua linhagem humana tribal para um reencontro, procurei minha árvore escolhida e vi nela um portal aberto, como uma escada luminosa aberta dentro do tronco e de lá surgiam pessoas com fisionomias indígenas que de alguma forma eu conhecia, emoções fortíssimas surgiram em meu coração, lágrimas de alegria escorriam de meus olhos, as pessoas sorriam e vinham em minha direção, me abraçavam e ficavam grudadas em mim, como que matando a saudade deles também, como se a somatória de todos formasse minha alma humana, sentia amir transbordar de meu coração, carinho brotavam de meus gestos e movimentos, começamos a girar lentamente no sentido anti horário e voltamos a entoar os cantos lá da fogueira, um calor invadiu meu coração e se propagou para todo o meu corpo...

Estava ativada a minha alma humana, tinha por fim compreendido a importância de minhas raízes, da junção das minhas almas: mineral, vegetal, animal para se alcançar e ativar a minha alma humana, agora a importância do outro era perceptível e necessária... Eles são parte de mim... Parte de um amor maior que transcende a mim mesmo, oriundo de meus antepassados, da minha história existencial... Que vem de Deus e nos tornam iguais, semelhantes, ligados entre si pelo amor e por Deus...

Foi assim em total êxtase que fechei os olhos e procurei incorporar todo aquele aprendizado, respirei fundo e lentamente por diversos minutos, trazendo para dentro de mim, da minha alma, tudo o que havia vivido.

Com um leve toque no meu ombro, meu amigo Xamã falou:
- É hora de nós juntar ao grupo em volta do fogo, para o encerramento da experiência xamânica, com um leve sorriso entendi de qual experiência ele estava falando, despedi de minha árvore, que já estava normal (sem portal aberto) e voltamos a nos juntar ao grupo, que nem sentiram a nossa ausência...

Nos despedimos da tribo e da calorosa recepção em volta do fogo, e voltamos para nossos carros e cidade...

Ao chegar em São Paulo me despedi do amigo Xamã, sabendo que, por hora ele mais uma vez desapareceria livremente pelas ruas até um próximo convite, para uma nova experiência em qualquer outro lugar...

Assim foi mais uma experiência com um amigo Xamã!!!...

(D.A)